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O Teste Decisivo (Japão, 1999)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos países das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos ao Japão.

         Carvalho de Mendonça

        

O TESTE DECISIVO (Japão, 1999)

Ôdishon – Drama/Terror – 1h55min – Takashi Miike

 

A obra em 16 segundos

Terror japonês, com forte tendência dramática, que conta a história de Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi), executivo que decide realizar uma falsa audição de cinema, visando, ao invés de encontrar uma atriz, selecionar uma futura esposa. Com os testes, ele acaba se encantando pela bela e misteriosa Asami (Eihi Shiina).

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A obra em 50 segundos

Takashi Miike é um controverso cineasta japonês, famoso por suas obras bizarras e chocantes. Em O Teste Decisivo, longa de 1999, o diretor apresenta um de seus trabalhos mais sóbrios, apesar de toda esquisitice. O filme conta a história de Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi), executivo que decide realizar uma falsa audição de cinema, visando, ao invés de encontrar uma atriz, selecionar uma futura esposa. Com os testes, ele acaba se encantando pela bela e misteriosa Asami (Eihi Shiina). A trama, até meados do segundo ato, se desenha como um bem construído romance dramático, que vai alimentando a expectativa do espectador pela virada, até a sua total entrega ao desespero. Relativamente recente, O Teste Decisivo já é considerado um clássico do terror oriental, e expõe, com tons de humor negro, uma dolorosa punição a abusos machistas.

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A obra em 2 minutos e 42 segundos

Não há como ficar indiferente ao trabalho de Takashi Miike. Dono de um cardápio extenso e de um estilo incômodo, o cineasta é comumente lembrado por explorar bizarrices e perversões em suas obras. Em que pese também conter muito sangue, tortura e membros decepados, O Teste Decisivo, seu filme de 1999, destaca-se por ser uma de suas produções mais “pé no chão”, ainda que este pé esteja separado do resto do corpo. O longa se vende como um terror, razão pela qual os mais radicais poderão se cansar de seu excesso dramático, tom que predomina na trama até a curva final.

Sete anos após a morte de sua esposa, Shigeharu Aoyama (Ryo Ishibashi) decide seguir o conselho de seu filho Shigehiko (Tetsu Sawaki) e encontrar uma nova esposa. Quando comenta sobre seus planos com o amigo Yasuhisa Yoshikawa (Jun Kunimura), este tem a ideia de realizar uma falsa audição, que seria anunciada como processo seletivo de cinema, para que, na realidade, Aoyama pudesse conhecer, analisar e escolher a sua nova companheira. O próprio protagonista acha o projeto abusivo, mas acaba concordando. Não deveria.

Logo na análise curricular, Aoyama já se encanta por Asami (Eihi Shiina), admirado não só pela sua beleza, mas também por sua postura diante da vida, apesar da pouca idade. A história se desenrola, durante a primeira hora, como um bom e bem dirigido “filmão de drama”, que começa a se transmutar quando Yoshikawa, desconfiado de Asami, decide investigar as informações prestadas pela candidata e não encontra absolutamente nada sobre o seu passado. Ao passo que o relacionamento de Aoyama e Asami evolui, a atmosfera de mistério vai tomando conta, até ceder espaço para o total terror de conclusão.

O Ocidente sempre tende a estranhar a relação do homem japonês com o sexo e com a figura feminina. Porém, o comportamento masculino em O Teste Decisivo é universal e palatável para o público de qualquer ambiente. Aoyama e Yoshikawa se portam como adolescentes, criaturas de uma sociedade machista, educados para exercerem superioridade e perpetuarem uma cultura secular de subjugação e exploração da mulher. A subversão de Takashi Miike na obra vem da reação do oprimido, do sinistro contra-ataque da doce Asami.

O Teste Decisivo não é um terror de susto. O filme não é indicado para quem procura “pular da cadeira”. Miike aterroriza o espectador pela morbidez e pela naturalidade com que escancara a personalidade de uma personagem absurdamente cruel. O sangue e a violência extrema surgem para dar sabor, mas não são o prato principal. A estrela da companhia, no fim das contas, é o clima instaurado pelo diretor, que flerta com o noir, e chega a colocar os dois pés no conto de amor romântico. Ainda que estes pés não tenham dedos.

 

Ponto forte: Direção mais sóbria de Takashi Miike, competente ao criar uma atmosfera mórbida por meio de sutis elementos, sem a necessidade de artimanhas desleais com o público.

Ponto fraco: O filme se vende como terror, mas, na maior parte do tempo, apresenta um drama ao público. O espectador que nutre expectativas durante toda a construção, esperando pela hora da virada, pode se decepcionar com a solução.

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Ficha Técnica

Direção de Takashi Miike

Roteiro de Daisuke Tengan, baseado na obra de Ryu Murakami

Elenco principal com Ryo Ishibashi, Eihi Shiina, Tetsu Sawaki, Jun Kunimura, Renji Ishibashi e Toshie Negishi

Produção de Akemi Suyama e Satoshi Fukushima

Fotografia de Hideo Yamamoto

Edição de Yasushi Shimamura

Design de produção de Tatsuo Ozeki

Figurino de Tomoe Kumagai

Trilha sonora de Kôji Endô

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Dica cultural, diretamente do Japão

A dica cultural de hoje é o mangá-documentário Virgem depois dos 30, escrito por Atsuhiko Nakamura e ilustrado por Bargain Sakuraichi, trazido ao Brasil pelas mãos caprichosas da Editora Pipoca & Nanquim, com tradução de Drik Sada. Atuando como gestor em uma casa de amparo a idosos, Atsuhiko Nakamura começou a identificar um padrão de comportamento tóxico em alguns sujeitos e decidiu realizar um estudo mais aprofundado sobre eles. Segundo seus levantamentos, estima-se que no Japão atual exista mais de duas milhões de pessoas acima dos trinta anos que jamais mantiveram relações sexuais, o que equivale a assustadora proporção de um a cada quatro japoneses nessa faixa etária. O autor ouviu diversos relatos e publicou oito dessas histórias, que, posteriormente, foram adaptadas pelos traços sujos e realistas de Sakuraichi. O caso dos virgens de meia-idade é um gravíssimo problema social do Japão, país que ainda não superou o término da prolongada era dos casamentos arranjados e tem uma enorme dificuldade em aceitar a liberdade sexual e profissional da mulher. Virgem depois dos 30 não é um trabalho para menores, nem para maiores sensíveis a determinados temas, em virtude de conter diversos gatilhos emocionais. A obra incomoda em sua estética visceral, que flerta com o caricaturesco, ao passo que escancara uma realidade esquisitamente sombria.

 

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até à próxima.

Carvalho de Mendonça

 

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