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Vidas duplas (França, 2018)

Quinzenalmente, estamos aqui no Masmorra Cine, falando de filmes não-estadunidenses de uma forma que cabe no seu tempo e, de quebra, apresentando dicas culturais oriundas dos países das obras destacadas. Venha conosco. Hoje, iremos à França.

 

         Carvalho de Mendonça

 

 

VIDAS DUPLAS (França, 2018)

Doubles Vies – Drama – 1h48min – Olivier Assayas

A obra em 6 segundos

Drama francês, que escancara o íntimo de dois casais, enquanto reflete acerca da nova configuração do mercado editorial.

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A obra em 1 minuto e 1 segundo

Intelectuais burgueses neuróticos refletindo sobre arte e cultura, ao passo que enfrentam problemas conjugais. Parece Woody Allen, mas é Vidas Duplas, filme do diretor francês Olivier Assayas (Acima das nuvens e Personal Shopper), que escancara o íntimo de dois casais, tendo como pano de fundo a nova configuração do mercado editorial. Alain (Guillaume Canet) é um editor de sucesso, que vem tendo imensas dificuldades em se adaptar à nova cena literária, com plataformas digitais, e-books, blogs e redes sociais. Leonard (Vincent Macaigne), por sua vez, é um escritor insatisfeito, que tem a sua nova obra recusada por Alain, seu editor há anos. Paralelamente (nem tão paralelo assim) à crise profissional entre eles, ambos escondem segredos e enfrentam dificuldades em seus casamentos. Repleto de diálogos enormes e debates sobre a atualidade cultural, Vidas Duplas é um competente e charmoso drama, apesar de ser vendido como comédia. O filme conta, ainda, com uma Juliette Binoche muito à vontade no papel, em mais um trabalho estupendo da atriz.

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A obra em 3 minutos e 2 segundos

O mercado editorial vem sofrendo seguidos abalos já há alguns anos, causados pela revolução digital, que mudou completamente a relação das pessoas com a literatura. O novo cenário afetou não só as editoras e as livrarias, como também atingiu escritores, leitores, revisores, tradutores, dentre outros profissionais ligados à escrita. Cumpre salientar que para alguns as mudanças foram positivas, para outros, negativas, e tiveram aqueles que quebraram, massacrados pela modernidade e pela incapacidade de adaptação.

Intelectuais burgueses neuróticos refletindo sobre arte e cultura, ao passo que enfrentam problemas conjugais. Parece Woody Allen, mas é Vidas Duplas, filme do diretor francês Olivier Assayas (Acima das nuvens e Personal shopper), que escancara o íntimo de dois casais, tendo como pano de fundo essa nova configuração do mercado editorial. Repleto de diálogos enormes e debates sobre a atualidade cultural, o filme é um competente e charmoso drama, apesar de ser vendido como comédia.

Alain (Guillaume Canet) é um editor de sucesso, que vem tendo imensas dificuldades em se adequar à nova cena literária, com plataformas digitais, e-books, blogs e redes sociais. Leonard (Vincent Macaigne), por sua vez, é um escritor insatisfeito, com tendências anarquistas, que tem a sua nova obra recusada por Alain, seu editor há anos, supostamente por ser um autor monotemático e sempre insistir na exposição de seus relacionamentos amorosos passados. Paralelamente (nem tão paralelo assim) à crise profissional entre eles, ambos escondem segredos e enfrentam dificuldades em seus casamentos.

Selena (Juliette Binoche, muito à vontade no papel, em mais um trabalho estupendo), esposa de Alain, é uma atriz de série policial, que também está questionando os rumos que sua carreira tomou. Convincente em suas opiniões, ela tenta influenciar o marido a publicar o novo livro de Leonard. Valérie (Nora Hamzawi), esposa do escritor, é um misto de emoções. Se em uma cena ela parece cruelmente alheia às dores do marido, em outra, seus olhos são capazes de revelar uma doçura melancólica, típica de quem suplanta seus sentimentos. Sobre o título do filme: todos eles possuem uma segunda vida, que, curiosamente, também não os satisfazem, e que se entrelaçam em determinado momento da trama.

Vidas Duplas é um retrato curioso sobre a hipocrisia e sobre o descontentamento de pessoas, que já passaram dos cinquenta, com o resultado parcial de suas existências. Entre uma taça de vinho e outra, entre um café e outro, entre um adultério e outro, os personagens discutem e debatem sobre filmes, livros, blogs e a relação da juventude com a arte. O quarteto de protagonistas está incrível e concede ao espectador personagens complexos, que conseguem ser exóticos e críveis ao mesmo tempo. Olivier Assayas, por sua vez, já marcou seu nome na lista dos cineastas franceses obrigatórios, ainda que, confesso, para gostar de Vidas Duplas, é preciso apreciar o estilo. Se você curte o trabalho de Woody Allen, vá sem medo. Mas cuidado com as críticas/resenhas que o comparam a Closer, porque não é bem por aí.

Ponto forte: Excelentes reflexões acerca da nova configuração da literatura, em meio às evoluções tecnológicas.

Ponto fraco: O filme ser vendido como uma comédia. Em que pese ser uma película bem humorada e haver diversas passagens em que é possível rir do comportamento dos protagonistas, o riso não é de graça ou diversão. Os supostos sorrisos vindos da obra são mais de desânimo com as pessoas, que de empatia.

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Ficha Técnica

Direção de Olivier Assayas

Roteiro de Olivier Assayas

Elenco principal com Guillaume Canet, Juliette Binoche, Vincent Macaigne, Nora Hamzawi e Christa Theret

Produção de Charles Gillibert

Fotografia de Yorick Le Saux

Edição de Simon Jacquet

Design de produção de François-Renaud Labarthe

Figurino de Juring Doering

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Dica cultural, diretamente da França

A dica cultural de hoje é o romance Os dados estão lançados, do filósofo francês Jean-Paul Sartre. Escrita em 1947, a obra se diferencia de outros grandes trabalhos filosóficos pela sua extrema simplicidade. Sartre é capaz de gerar reflexões profundas e discussões complexas com um texto ágil e sem firulas, acessível ao grande público. Criado a princípio como peça teatral, a narrativa se passa no presente, com indicações de cenários ao invés de capítulos, e conta a história de Pierre e Éve. “Se em consequência de um erro, um homem e uma mulher destinados um ao outro, não se encontram durante a sua vida, podem reclamar e obter autorização para voltar a Terra, dentro de certas condições para ir viver ali o amor e a vida em comum que lhes foi indevidamente frustrada.” É com base neste dispositivo do livro de leis que rege o universo, que os dois protagonistas, recém-falecidos, retornam à vida. Porém, a legislação também prescreve alguns requisitos para essa volta e eles precisarão cumpri-los em 24 horas. Desavisados podem, equivocadamente, confundir Os dados estão lançados com um livro religioso, mas vale ressaltar que Sartre era ateu e existencialista. A vida após a morte da obra é uma grande alegoria para o filósofo discorrer acerca de temas caros a suas teorias, como liberdade e luta de classes.

Por hoje, é isso, companheiras e companheiros.

Até mais.

Carvalho de Mendonça

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