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[Coluna do Podtrash] Morrendo pela arte.

 

Por Tremyen (Manel) do Podtrash:

Pois é galera, a pedidos da amiga Angélica, agora escreverei aqui no Cine Masmorra sobre cinema nacional, mais especificamente sobre o movimento das pornô chanchadas.

Dito isso, resolvi trazer para esse espaço um filme que anda bastante esquecido do público brasileiro, mas que na década de setenta foi uma das maiores bilheterias do cinema nacional, uma obra que conseguiu criar polêmica mesmo nos tão liberais anos do sexo, drogas e rock´n´roll.

Antes de falarmos do filme, cabe uma explicação do que é um filme snuff.

Muito antes de “A Serbian Film” (2010) estourar a cabeça do público e da critica, este movimento iniciado no final dos anos setenta começou com uma lenda urbana: um suposto filme pornográfico masoquista italiano que teria – acidentalmente – gravado sem o uso de efeitos especiais a morte de uma de suas atrizes. A partir desse momento, tanto a indústria europeia como a indústria americana começaram a criar filmes extremos, carregados de mau gosto e de cenas fortes onde as pessoas – alegadamente – morriam de verdade. Referências a este tipo de cinema podem ser encontradas em algumas pérolas do bizarro, como “Emanuelle in America” (1976) e “Last House on Dead End Street” (1977). Este subgênero culmina em filmes chamados “Documentários Mundo”, conhecidos nos EUA como “mockumentary”, sendo os maiores expoentes do gênero o mais que famosos “Faces da Morte” (1978) e o italiano “Cannibal Holocaust” (1980), onde o seu diretor – Ruggero Deodato – ficou detido até provar que os atores do filme estavam vivos.

Claudio Cunha – que bebia descaradamente de fontes italianas – pega carona nessa moda mundial e oportunisticamente lança uma pornochanchada, e a vende como “o primeiro filme snuff brasileiro”, uma jogada de mestre do grande canalha, uma vez que “Snuff, Vitimas do prazer” não tem absolutamente nada de snuff, como a divulgação e o título sugeriam. A divulgação foi tão enganosa que no lançamento do filme, a manchete do caderno de cinema do jornal Notícias Populares era: “Estreia hoje o filme que mata!”.

Um filme do inesquecível Claudio Cunha:

“Snuff, Vitimas do Prazer” (1977).


Com roteiro sarcástico, o filme se torna uma piada de mau gosto sobre a mambembe produção cinematográfica brasileira, uma forma de fazer piada de si mesmo. Os protagonistas do filme – Edson Lima (Carlos Vereza) e Juarez (Canarinho) – são nada mais, nada menos que um autorretrato dos produtores da Boca do Lixo daquela época: gente falida, sempre a procura de um “boi” para financiar suas loucuras artísticas.

A sinopse é simplória, mas genial: Dois americanos, Michael Tracy (Hugo Bidet) e Bob Channing (Fernando Reski), vem ao Brasil fazer um filme snuff (uma piada com a máxima americana de que a vida na América do Sul é barata). Para realizarem seu filme usam o argumento de que filmarão um pornô e contratam uma trupe de técnicos desesperadamente falidos e de atores duvidosos, a saber: Edson Lima (Carlos Vereza), Juarez (Canarinho), Lia de Souza (Rossana Ghessa), Tati Ibanez (Nadir Fernandes), Glória (Lúcia Alvim) e Sérgio Bandeira (Roberto Miranda). Os americanos levam essa galera para uma isolada fazenda, aonde a trama vai desenrolar.

Vale lembrar que “Vitimas do Prazer” não é um filme ode ao homicídio. Na verdade é uma critica ácida a miséria e a penúria que os artistas brasileiros viviam – e ainda vivem – na terra brasílis. Um filme feito por cineastas que debocha destes mesmos cineastas, vivendo sempre a mercê de propostas de trabalho ridículas e calotes frequentes.  Ótimos atores representando atores ruins é um dos pontos altos desse filme, além do último trabalho de Hugo Bidet – antes de seu suicídio – coroado com o premio de melhor ator da APCA 1977 (Associação Paulista de Críticos de Arte). Destaque ao eterno Canarinho (aquele mesmo de “A Praça é Nossa”) no contagiante papel de Juarez.

Por incrível que pareça, não houve nenhum tipo reação negativa quanto ao lançamento do filme, até mesmo a crítica foi bastante complacente com o filme de Cunha, que nem é tão bom como os críticos o consideraram, na época. A reação do público era uma das principais dúvidas do próprio Claudio Cunha, já revelada em entrevista ao blog Zingu!

Quando lançamos o filme, não tínhamos ideia de como seria a recepção. Então, houve a estreia. Foi no Cine Marabá, um dos maiores da cidade, numa segunda-feira. Curioso para ver como seria o primeiro dia (que era decisivo para medir o sucesso dos filmes) cheguei à Avenida Ipiranga e vi um tumulto, pensei “caralho, estragou minha estreia, o que será que houve?”. Parecia estar havendo uma passeata bem em frente ao cinema. Só quando me aproximei é que percebi que o tumulto era por causa [da fila] do meu filme.

Para finalizar, a pergunta que a “A Serbian Film” fez ao publico e a critica em 2010 já havia sido feita aqui no Brasil, em 1977: Será que em países pobres, tudo é permitido? Obrigado Claudio Cunha.

Tremyen participa da equipe do  The Dark One Podtrash

 

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Angelica Hellish

Angélica Hellish é a criadora do projeto. Cinéfila, mãe, ativista pela causa LGBTQIA+ e antifascista.

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